segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O que é especulação imobiliária

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Especulação imobiliária é a compra de terrenos com fins de valorização, e não de moradia. É tratar a terra como “investimento” e não como habitação. “Especular” é antecipar, é prever – especulação imobiliária, portanto, é a previsão de que determinados terrenos se valorizarão de modo que a compra deles apresentará retorno financeiro, seja por meio do aluguel ou da venda.
            Um terreno, por sua vez, do ponto de vista da moradia tem seu valor relacionado, grosso modo, a duas variáveis: 1) vantagens locacionais (estar próximo de escolas, possuir asfalto, tratamento de esgoto, não ser vítima de cheias etc.) e 2) prestígio social (esse aspecto é ligado, sobretudo, a característica dos ricos de se segregarem dos demais setores da população). Quanto mais dispõe de serviços públicos e de prestigio social, mais valorizado é um terreno. É por essa razão que a periferização costuma ser a única alternativa da população pobre: os terrenos mais acessíveis são os mais desprovidos de serviços públicos e normalmente mais longe do centro da cidade, portanto os mais baratos.
Conforme o economista Paul Singer,
Convém observar que o ‘valor’ da propriedade imobiliária, na economia capitalista, não passa da renda que ela proporciona, capitalizada a determinada taxa de juros” (1982, p. 22).
Como o imóvel é um “investimento de baixo risco”, segue as taxas desse tipo de empreendimento. O imóvel funciona do mesmo modo que um título de rendimento futuro: é um capital (ou seja, o dinheiro) investido que produz renda, que se valoriza, pois ao com o passar dos anos os terrenos tendem a valer mais dinheiro. É importante notar isso porque se a cidade é um lugar de habitação, trabalho, lazer, sociabilidade em geral, ela é também, do ponto de vista do especulador, como um imenso quintal para a valorização de “títulos”, para a obtenção de renda. A cidade é como se fosse um grande banco esperando investimentos para produzir valorização. Os “títulos”, no entanto, tem como contrapartida a anulação do direito à moradia de grandes parcelas da população.
            A cidade tipicamente capitalista possui um centro cercado de anéis concêntricos em seu entorno, desde os bairros mais próximos do centro até a extrema periferização. Os serviços públicos, responsáveis pela valorização, se estendem do centro até os bairros    (muito embora quase nunca alcancem a extrema periferia). Essa tendência, no entanto, é contrabalanceada porque em certo momento o centro, que reúne serviços, comércio e por vezes empresas, com o crescimento da cidade necessita se reestruturar, esbarrando nos bairros imediatamente residenciais, ocupados pelos setores mais ricos. Esses setores tendem a se mudar, então, para locais mais isolados do centro, bairros com característica quase que puramente residencial. A maioria das grandes cidades já passou por esse processo: Curitiba, São Paulo etc., o que leva a constituição de um “centro histórico” (ou centro velho) e um centro que agrega propriamente os serviços gerais. Os ricos, por sua vez, passam a residir em “ecovilles” e condomínios fechados no entorno.
            Por essa razão a cidade passa a ter em suas marcas mais visíveis, em sua própria arquitetura, marcas da desigualdade social que é seu fundamento, que a divide em centro e periferia. Em Joinville, conforme mapa abaixo produzido pela prefeitura, que discrimina renda e localidade, podemos notar que a cidade segue exatamente essa tendência (Pirabeiraba, basicamente uma cidade à parte, é a exceção):


(clique sobre o mapa para ler a legenda em detalhe)


Dessa maneira, especular significa comprar um terreno e vende-lo ou aluga-lo para extrair renda após sua valorização ocasionada por investimentos estatais em serviços públicos:
... a especulação imobiliária adotou um método próprio para parcelar a terra da cidade. Tal método consistiu no seguinte: nunca se fazia um novo loteamento na vizinhança imediata do anterior, já provido de serviços públicos. Pelo contrário, entre o novo loteamento e o anterior, já equipado, se deixava uma área de terra desocupada, sem lotear. Completado este novo loteamento, a linha de ônibus, sua passagem por áreas não loteadas traria sua imediata valorização. O mesmo ocorria com os demais serviços públicos: para atender os pontos extremos loteados, passariam por áreas vazias, beneficiárias imediatas do melhoramento público” (CARDOSO, CAMARGO e KOWARICK, 1971, p. 8).
É por essa razão que há vários “vazios urbanos” apenas esperando o melhor momento para extrair maior renda a seu proprietário.
Se a valorização advém a partir do investimento estatal em serviços públicos, então basta “esperar” que os serviços cheguem ao local para o terreno então valorizar. Ou, então, influenciar diretamente a política local para que seja possível extrair o máximo de renda de um terreno.
Isso é possível de vários modos. Por exemplo, mudando as leis de zoneamento de um local. Suponhamos que um especulador tem um terreno em uma rua na qual só é possível a construção, segundo as leis da cidade, de habitações simples. Se a lei mudar e permitir que sejam construídos comércios de três andares esse especulador irá poder extrair mais renda do terreno. É claro que um especulador tem pouco poder para interferir na mudança das leis, mas um conjunto organizado deles pode ter grande força de mudança. Por exemplo, a lei que permite a verticalização em Joinville: de nove andares, agora são permitidos 18. Um especulador que, nas áreas nas quais isso é permitido, promove um empreendimento imobiliário pode extrair o dobro de lucro. Essa lei é uma grande vitória da especulação imobiliária. Tal como a nova lei de macrozoneamento ao incorporar terras rurais que agora poderão servir para moradia, empresas etc. Ou então como o Shopping Garten, que para ter sua construção permitida teve leis de zoneamento comodamente modificadas. No geral, o Conselho da Cidade, em Joinville não tem mostrado qualquer resistência ao avanço da especulação imobiliária.
A especulação é um problema público de primeira ordem porque ela promove a subutilização do espaço urbano. Há inúmeros vazios urbanos (em Joinville, só domicílios vazios são 12.331 segundo o IBGE) inteiramente servidos de bons serviços públicos (tratamento de esgoto, luz, asfalto, escolas) que não servem a ninguém até serem comprados. E quando comprados, via de regra, servem a classes mais elevadas, enquanto há locais que por dezenas de anos permanecem sem o mínimo necessário, de escolas longe até esgoto a céu aberto.
Resistir à especulação imobiliária é se organizar contra a transformação do solo, da terra urbana, em uma mercadoria a mais, geradora de renda para uma ínfima parcela da população. É se contrapor à periferização e a guetização da população. É pensar e realizar uma cidade democrática, na qual os serviços públicos são de qualidade e igualmente disponíveis a todos.
Referências

Cardoso, Fernando Henrique, Camargo, Cândido Procópio Ferreira, Kowarick, Lúcio. Considerações sobre o desenvolvimento de São Paulo: Cultura e Participaçã, Disponível em http://www.cebrap.org.br/v1/upload/biblioteca_virtual/consideracoes_sobre_o_desenvolvimento_de_sp.pdf.

Rolnik, Raquel e Bonduki, Nabil. Periferia da grande São Paulo. Reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho, in: “A produção capitalista da casa (e da Cidade) no Brasil Industrial”, Editora Alfa-Omega, São Paulo, 1982

Singer, Paul. O uso do solo na economia capitalista, in: “A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial”, org. Ermínia Maricato, 2ª edição, editora Alfa-Omega, São Paulo, 1982.

Villaça, Flávio. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação, Disponível em: http://www.flaviovillaca.arq.br/pdf/cidadao_habita.pdf .

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